terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Sextas-feiras

Todos reunidos numa roda de chope. É assim que os pensamentos surgem aqui, e ainda há religião que proíbe a bebedeira. É costume às sextas-feiras, com exceção dos evangélicos, todos descerem à feirinha da Praia Grande, conhecida também como Casa das Tulhas, sem se esquecer o quanto somos mal vistos pelos crentes ao passarmos às portas das pequenas assembleias. Talvez eles saibam de algum testamento em que Jesus deixou escrita ser sua morte destinada somente aos convertidos numa doutrina ou partido religioso que persuade os dotados de grande fé. Tenho grande fé, mas esta não é subserviente às palavras de uma carne ambiciosa.
Lá na Casa das Tulhas há vários recipientes humanos, há vários gêneros de bebidas, há o camarão que na infância furtava com meus amigos para merendarmos com a farinha que um outro também furtava. Há até uma santa na entrada principal, sendo que para mim todas as entradas são principais, pois não deixamos de entrar em qualquer uma delas. Até o grande poeta Nauro Machado frequenta a dita feirinha. Daí tira-se a conclusão do quanto ela é especial. Tem bares que usam seus artífices no propósito da venda, colocando meninas novas e bonitas para serem atendentes. E aí é que sentamos, apesar de elas não usarem aquelas roupas provocantes. O que mais gostamos, além da cerveja e do diálogo, às vezes fazendo-se cada qual seu solilóquio, é o queijinho que os meninos mirradinhos vendem, esquentados na hora. E a graça está no perigo de pegar qualquer intoxicação ou algo afim. Mas nunca pegamos. Nossos estômagos, acho que já acostumados com a gororoba, como dizem as mães, aceita de bom grado esses melados alimentos.
Esse desenrolar vai até a hora em que a feira é fechada, ficando todas as nossas moedas na caixinha da manutenção do banheiro. Daí nos dirigimos a um samba rente ao Bar da Faustina, finada Faustina dona dum cabaré que foi a alegria de muitos jovens da época. Aí ficamos (não no cabaré, mas no samba próximo) perto de uma escadaria, só no ponto de botar a urina pra fora, pois lá é o nosso banheiro, o banheiro público imposto pelo povo, é uma mijação geral. Talvez seja crime isso o que cometemos, ou talvez não seja, pois, segundo a Constituição que nos rege “todo o poder emana do povo”. Só mijamos na escadaria porque há muita gente no percurso de onde ficamos até o banheiro do bar e, até chegarmos a este já botamos a água amarelecida para fora. A escadaria toda mijada é um ponto mais sugestivo. Dando as dez e meia da noite, horário em que prometi voltar para casa, já que ainda vivo sob as rédeas da mamãe, volto e por aqui finda mais uma sexta-feira, já que após minha saída não sei o que se passa pelo lado de lá onde há o samba rotáceo. Não sei o que acontece após a efervescência do álcool na volúpia dos demais...

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

DESABAFO

...talvez ainda exista um restinho de sensibilidade entre as pessoas, neste convívio social que se diz contemporâneo devido à convenção numérica das vinte e quatro horas. Por que digo-lhes isso? Porque o que apenas vejo ao meu redor são paredes, algo rústico em flores de betume, idolatrias exasperantes e uma tosquiação dos que se elevam, uma cusparada feita ofício. E o que é o viver? É integrar-se a um partido político e a uma religião e viver discutindo incessantemente a ambos, ou será apenas dizer que se é crédulo? Se isso é o viver, por favor, ponham-me vivo em qualquer mausoléu ou me joguem no além-mar, longe, bem longe das doutrinas que escarram em meus companheiros, longe dos postiços sorrisos, dos que se prendem à frente dos porcos. Por favor! Todos os dias assim se vão, às daninhas entupindo-me as artérias, mijando sobre mim os seres-empáfia daqui e de acolá, sendo que, às vezes, vontade do suicídio não falta, pois me encontro cortado rente aos que afundam paulatinamente, perto ao sopé do sol das quatro e meia. Alguns ainda dizem que sou louco. E o que é ser louco? O que é loucura? Será louco aquele que não vive dentro em uma garrafa? Então louco prefiro ser. Será louco aquele que não se deixa engaiolar, como um pássaro silvestre em cativeiro? Então louco prefiro ser. Sei que às planícies não me encontro como muitos, nesta densa reta, desvestida das bifurcações e onde os entulhos encontrados nada mais são que obstáculos e motivos de choro...

Anestesia

Quantas auroras me sucumbem o ser
neste acordar sem o solar dos teus?
Viste a forma do teu menos crer
nesta vil fé que amamenta os meus? 
Quantas tuas formas és-me ao Reviver
outras amoras de um São Deus Ateu?
Ó minhas lógicas de um não prover
mil vezes às sogras qual proveram um Deus,
mesmo ao abortado sonho que me foi
tetas eufóricas quando ao uno em dois
sove meus músculos dito às vozes tal.
Quantas seis horas ditas mesmo em vão
faz-se minutos, embora em séculos cão,
faz-me o miúdo humano todo em cal?

sábado, 16 de outubro de 2010

Tetas de um poema

Poemas de um ser reumático
após sóis de tendões,
como o foi o rogo apático
do senhor e suas sezões,
membranoso Orfeu asmático,
não funcionam-lhe os pulmões,

sem a estréia dos membros
esqueléticos de um tísico,
sem o bromo dos menos
na calvice dos mitos,
erguem-se os templos
em sepulto de um quisto.

Ah! Que verbos ortodoxos
renascidos tão crus,
sob um pó de dióxido,
sob a índole em us,
sem qualquer pago óbolo
de  um cínico nu.

Ó maternal crucifixo
no eclipse das órbitas,
materiais de um maldito,
promoção de uma ótica,
meu sudário tangido
no suor das duas horas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Minha ferida, meu pus

Minha insistência em descer é a essência do meu mal,
não encontrando coerência no que me enreda, mas
tão-somente na cicuta, benévola às minhas aspirações,
às minhas esperanças em cinzeiros, recheadas de homens
e mulheres petrificados, ao redor de uma foz turva,
enchendo-me de socos e porradas, sorrindo às crenças
de outrora, de alfarrábios vindo em século vil, de uma fé
feita do que foi senhora e do que goza ao podre, à frente
do que é cosido em bestialização, deteriorando manhãs
na solidificação das sezões de duas cabeças. Embora insista
ao esgoto e às ratazanas, prefiro a chuva, sonhar quimeras
alheias, rasurar cancros em paredes, sem oferendas a oferecer,
sem a cobrança de dízimos santificados, mas apenas sonhar,
já que mortificado estou sob este telhado de fardos, sustentado
por pilares de desconhecidos, na persuasão dos eloquentes.
Nessa sisudez me admito, e para quê sorrir? Para fingir
auto-ajuda? Arre! Sorriam para mim os apodrecidos pelos contratos
e paradigmas, os leprosos e cancerígenos, pois é o que somos
caro poeta, caro misantropo, somos as vísceras dos humanos vazios
e abastados do tudo que é nada.

sábado, 9 de outubro de 2010

Grupo de Laocoonte

Daqui permaneço hesitante, sei que pereço
na aurora dos porcos por me ser o que fui-me.
E que tua matéria me ponha do avesso,
cobrindo-se em erma pompa Laocoonte
na espessura do gesso da tua função de gume,
por debaixo de nenhum sol que sois-me Vênus
qual outrora sóis afundados em ataúdes,
num fosso e mais um vasilhame pequeno.
No início, constituir musas com Mnemósina
no leito seco que desfez-se informal,
nas costas longínquas foram os deuses embora
ao finito humano preenchido em cal,
qual verborragia que se não faz Obra
qual síntese idílica sem lhe ser formal.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Carta

Cara parede deste quarto:
Segues teu caminho e tua doutrina, pois a minha
eu mesmo crio. Odeio-te por lhe falar deveras e
sempre permaneceres surda à toda esta sinfonia oca.
Quanto mais falo, vejo e ouço mais vontade tenho
de me adentrar ao Hades em busca do desagrilhoamento
da excessiva faina das Danaides. És uma das Danaides
e nada tens de inopinado. Estás engaiolada qual um pássaro
cheio de saudades.
Por um acaso sentes repugnância pelo
vazio? Temes os desvãos do que seja longínquo? Por que
ainda insistes em falar de amores?
Não sabes o quanto me transtornas esta sua forma convicta
de falar-me. Queima-me com sua súcia de inquisidores!
Queima-me junto com este contrato social que nos cospe
e te faz sorrir em concomitância de rebanho!
Por isso continuas macilenta e fincada neste assoalho postiço.
Por isso aplaude com entusiasmo qualquer verdugo benfazejo.
Mas perante a ti permaneço-me calado.
Não mereces ouvir-me.
Apenas sorrio internamente de tua boca enxovalhada e
de tuas palavras insípidas em congruências que faz-me
crer que estou no fim. Não sou a ponte como dizia Nietzsche,
não sou o elo, mas sim o fim.
Andas insistentemente qual burro de carga, com viseiras laterais,
a olhar somente o que há à frente.
E assim sorrio para as estrelas e de todos os que se não deixam
gritar-se nesta planície umedecida. Sorrio de ti parede macilenta.