sábado, 16 de outubro de 2010

Tetas de um poema

Poemas de um ser reumático
após sóis de tendões,
como o foi o rogo apático
do senhor e suas sezões,
membranoso Orfeu asmático,
não funcionam-lhe os pulmões,

sem a estréia dos membros
esqueléticos de um tísico,
sem o bromo dos menos
na calvice dos mitos,
erguem-se os templos
em sepulto de um quisto.

Ah! Que verbos ortodoxos
renascidos tão crus,
sob um pó de dióxido,
sob a índole em us,
sem qualquer pago óbolo
de  um cínico nu.

Ó maternal crucifixo
no eclipse das órbitas,
materiais de um maldito,
promoção de uma ótica,
meu sudário tangido
no suor das duas horas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Minha ferida, meu pus

Minha insistência em descer é a essência do meu mal,
não encontrando coerência no que me enreda, mas
tão-somente na cicuta, benévola às minhas aspirações,
às minhas esperanças em cinzeiros, recheadas de homens
e mulheres petrificados, ao redor de uma foz turva,
enchendo-me de socos e porradas, sorrindo às crenças
de outrora, de alfarrábios vindo em século vil, de uma fé
feita do que foi senhora e do que goza ao podre, à frente
do que é cosido em bestialização, deteriorando manhãs
na solidificação das sezões de duas cabeças. Embora insista
ao esgoto e às ratazanas, prefiro a chuva, sonhar quimeras
alheias, rasurar cancros em paredes, sem oferendas a oferecer,
sem a cobrança de dízimos santificados, mas apenas sonhar,
já que mortificado estou sob este telhado de fardos, sustentado
por pilares de desconhecidos, na persuasão dos eloquentes.
Nessa sisudez me admito, e para quê sorrir? Para fingir
auto-ajuda? Arre! Sorriam para mim os apodrecidos pelos contratos
e paradigmas, os leprosos e cancerígenos, pois é o que somos
caro poeta, caro misantropo, somos as vísceras dos humanos vazios
e abastados do tudo que é nada.

sábado, 9 de outubro de 2010

Grupo de Laocoonte

Daqui permaneço hesitante, sei que pereço
na aurora dos porcos por me ser o que fui-me.
E que tua matéria me ponha do avesso,
cobrindo-se em erma pompa Laocoonte
na espessura do gesso da tua função de gume,
por debaixo de nenhum sol que sois-me Vênus
qual outrora sóis afundados em ataúdes,
num fosso e mais um vasilhame pequeno.
No início, constituir musas com Mnemósina
no leito seco que desfez-se informal,
nas costas longínquas foram os deuses embora
ao finito humano preenchido em cal,
qual verborragia que se não faz Obra
qual síntese idílica sem lhe ser formal.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Carta

Cara parede deste quarto:
Segues teu caminho e tua doutrina, pois a minha
eu mesmo crio. Odeio-te por lhe falar deveras e
sempre permaneceres surda à toda esta sinfonia oca.
Quanto mais falo, vejo e ouço mais vontade tenho
de me adentrar ao Hades em busca do desagrilhoamento
da excessiva faina das Danaides. És uma das Danaides
e nada tens de inopinado. Estás engaiolada qual um pássaro
cheio de saudades.
Por um acaso sentes repugnância pelo
vazio? Temes os desvãos do que seja longínquo? Por que
ainda insistes em falar de amores?
Não sabes o quanto me transtornas esta sua forma convicta
de falar-me. Queima-me com sua súcia de inquisidores!
Queima-me junto com este contrato social que nos cospe
e te faz sorrir em concomitância de rebanho!
Por isso continuas macilenta e fincada neste assoalho postiço.
Por isso aplaude com entusiasmo qualquer verdugo benfazejo.
Mas perante a ti permaneço-me calado.
Não mereces ouvir-me.
Apenas sorrio internamente de tua boca enxovalhada e
de tuas palavras insípidas em congruências que faz-me
crer que estou no fim. Não sou a ponte como dizia Nietzsche,
não sou o elo, mas sim o fim.
Andas insistentemente qual burro de carga, com viseiras laterais,
a olhar somente o que há à frente.
E assim sorrio para as estrelas e de todos os que se não deixam
gritar-se nesta planície umedecida. Sorrio de ti parede macilenta.                   

sábado, 2 de outubro de 2010

Versos Sujos (trechos da primeira parte)


Às vezes, sob o podre,
ressuscito como se fosse
o soluço de um insano,
no gogó de outra matéria,
no que antes pudera
se limpar em sangue e pranto,

no telhado de cacos e fezes,
entre os ímpios e hereges
ao raiar da sacristia.
Ferindo ao que urra
no orgasmo das putas
e do negro à alforria.

Que sabor tem o mundo
em paladar de vagabundo?
Talvez de algum musse,
recheado de quimeras e cuspes
no estar, noutro estrume,
na tua teta que muge.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Badulaques...

E durmo tarde, sem abrigo,
na cegueira das crendices
ladeadas em jazigo:
jaz aquele quem disse

os segredos do que fora
sangue de mim, gastas hemácias,
defunto que em nódoas escoa
o pus da úlcera casta,

puindo a linha, cosida e posta
no coser-me de nada,
tempo em quilo de bosta
qual sabor de uma baga.

Ah, já percebeste?
Vais passando tua matéria,
junto ao corpo deste.
Vês? Entopem-lhe a artéria

e devoram-te os pâncreas,
põem-te as gotas do fim
no nascer do goro à ânsia,
no passar do porvir.

E assim me consome a sede
de beber o próprio ego,
de beber da seiva o leite
e da flauta o céu de Febo,

à procura de um alguém,
onde baste a solidão.
Em cativeiro fui refém,
pouca água, nenhum pão,

um poço de dias bolorentos
e à fundo estar os outros,
outro corpo em cimento
no raiar, no transposto.

Passam os séculos e o agora
e nenhum soldo me compra,
sequer o que me sobra
de uma obra não pronta,

do meu cordão umbilical,
nascido no domingo,
em um mês formal,
no berço em que mínguo.

Dor interna

Ó minh’alma,
vi ao podre de tua agonia
ao passar-te em vil fosso,
no coser de tua ânsia,
naquele domingo de quimeras.
Ó alma minha,
saciada pelas vermes humanas,
sacia-te da minha marmita
e do meu labor provinciano
e vai-te!
Vai-te até não poder mais

Sobrenome

Não me nomeio à tua doença,
tampouco à cor do sol-posto,
algum rosto, coisas densas,
aquilo às bostas de um fosso
quando a encontro às pencas
cosendo as faces do oposto
de um mal-estar que me empenha,
tangendo o eu-próprio e o teu-outro,
aos burgueses, ao malogro gozo,
um acinzentado que interpela:
“qual a utilidade de um morto?
Qual o sobrenome das merdas
ao nomear-me em sobrolho
desta vileza tua que me empesta?”