segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Carta

Cara parede deste quarto:
Segues teu caminho e tua doutrina, pois a minha
eu mesmo crio. Odeio-te por lhe falar deveras e
sempre permaneceres surda à toda esta sinfonia oca.
Quanto mais falo, vejo e ouço mais vontade tenho
de me adentrar ao Hades em busca do desagrilhoamento
da excessiva faina das Danaides. És uma das Danaides
e nada tens de inopinado. Estás engaiolada qual um pássaro
cheio de saudades.
Por um acaso sentes repugnância pelo
vazio? Temes os desvãos do que seja longínquo? Por que
ainda insistes em falar de amores?
Não sabes o quanto me transtornas esta sua forma convicta
de falar-me. Queima-me com sua súcia de inquisidores!
Queima-me junto com este contrato social que nos cospe
e te faz sorrir em concomitância de rebanho!
Por isso continuas macilenta e fincada neste assoalho postiço.
Por isso aplaude com entusiasmo qualquer verdugo benfazejo.
Mas perante a ti permaneço-me calado.
Não mereces ouvir-me.
Apenas sorrio internamente de tua boca enxovalhada e
de tuas palavras insípidas em congruências que faz-me
crer que estou no fim. Não sou a ponte como dizia Nietzsche,
não sou o elo, mas sim o fim.
Andas insistentemente qual burro de carga, com viseiras laterais,
a olhar somente o que há à frente.
E assim sorrio para as estrelas e de todos os que se não deixam
gritar-se nesta planície umedecida. Sorrio de ti parede macilenta.                   

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